Daniela Caldas Teixeira

Departamento de Imunizações da SMP

Em todo o mundo, o câncer do colo do útero é o quarto câncer mais comum entre as mulheres, com aproximadamente 570.000 casos de carcinoma cervical invasivo diagnosticados e 311.000 mortes anualmente1. As evidências que ligam os papilomavírus humanos (HPV) ao carcinoma cervical são extensas. Praticamente todos os casos de câncer do colo do útero são atribuíveis à infecção por HPV, sendo o HPV 16 responsável por aproximadamente 50% dos casos e o HPV 18 por 20%2. Estima-se que os tipos 31, 33, 45, 52 e 58 do HPV causem 19% adicionais3. O HPV também está associado, em percentuais variáveis, ao câncer em outros sítios anatômicos além do colo uterino, tais como: pênis, vulva, vagina, canal anal e orofaringe.

Globalmente, o HPV anogenital é a infecção sexualmente transmissível mais comum. Como todas as infecções sexualmente transmissíveis, o pico de prevalência da infecção por HPV ocorre normalmente na primeira década após o início da vida sexual, normalmente entre as idades de 15 a 25 anos na maioria dos países ocidentais4. Por esse motivo, a imunização de rotina contra o HPV é recomendada em muitos países para adolescentes e adultos jovens. Muitos estudos ao redor do mundo já relataram declínio na prevalência e incidência de infecção por HPV, bem como de doenças relacionadas ao HPV após a introdução da vacinação contra HPV.

No Brasil, a vacina HPV4 foi integrada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) em 2014, inicialmente para meninas de 11 a 13 anos, e posteriormente foi sendo estendida de forma progressiva para outras faixas etárias. Em 2017, os meninos passaram a ser contemplados e, desde 2022, a vacina consta como rotina do calendário nacional de imunização para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos de ambos os sexos. 

Em uma pesquisa transversal e multicêntrica realizada entre setembro de 2016 e novembro de 2017 (Estudo POP-Brasil), a efetividade da vacina contra o HPV foi avaliada em uma amostra nacional de mulheres de 16 a 25 anos que utilizavam o sistema público de saúde5. Um total de 5.945 mulheres adultas jovens foram recrutadas em 119 unidades de atenção primária de todas as 27 unidades federativas do país. O estudo mostrou que a vacina quadrivalente foi capaz de reduzir a infecção pelos tipos 6, 11, 16 e 18 do HPV de 15,64% em mulheres não vacinadas para 6,76% em mulheres vacinadas (P< 0,01). Além disso, foram observadas taxas mais elevadas de infecção pelos tipos 16 e 18, de alto risco, em mulheres não vacinadas (40,47% nas vacinadas versus 32,63% nas não vacinadas, P < 0,01).

Nos últimos 10 anos, diversos estudos realizados mostram evidências robustas de que uma dose da vacina HPV pode fornecer proteção igual a duas ou três doses contra o câncer de colo de útero, em áreas com altas coberturas vacinais. Tais resultados, somados às dificuldades enfrentadas por muitos países na incorporação da vacinação contra o HPV, motivou a OMS (2022) e a Organização Pan-Americana da Saúde (2023) a emitirem o posicionamento favorável à adoção de um esquema vacinal de dose única da vacina HPV até 20 anos de idade, duas doses a partir de 21 anos e de 3 doses para pessoas imunocomprometidas,  deixando a critério dos países a adoção ou não a essa recomendação6.  No entanto, é necessário destacar que quando ampliamos o conceito para câncer de vulva, vagina e ânus, ainda não existem estudos conclusivos sobre a eficácia desse novo esquema.

Nesse contexto, encontra-se também disponível nas clínicas privadas a vacina HPV9, que oferece melhor proteção a nível individual, em 2 ou 3 doses, conforme a faixa etária recomendada. A HPV9 inclui os quatro tipos de HPV presentes na vacina HPV4 (6, 11, 16 e 18) e cinco tipo adicionais (31, 33, 45, 52 e 58), o que amplia a proteção contra infecções, cânceres e lesões pré-neoplásicas relacionadas ao vírus. O ganho, demonstram estudos clínicos, varia de acordo com o sítio anatômico, conforme ilustrado na tabela 1.  Para as doenças associadas aos tipos não oncogênicos (6 e 11), o benefício é o mesmo para as duas vacinas.

A Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) recomenda, sempre que possível, o uso preferencial da vacina HPV9 e a revacinação daqueles anteriormente vacinados com HPV2 ou HPV4, com o intuito de ampliar a proteção para os tipos adicionais. São recomendadas duas doses em indivíduos menores de 20 anos e três doses a partir dos 20 anos de idade.

A disponibilidade de uma vacina HPV mais abrangente, incluindo um número maior de tipos oncogênicos do vírus é uma excelente notícia do ponto de vista de saúde individual. Em termos de saúde pública, é fundamental o esforço conjunto do Ministério da Saúde, das Secretarias Estaduais e Municipais, além das sociedades médicas e sociedades civis organizadas para aumentar as coberturas da vacina HPV4, disponibilizada gratuitamente para crianças e adolescentes de 9 a 14 anos de idade, e indivíduos de outras idades com comorbidades.

A vacinação é um dos três pilares da estratégia proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para eliminar o câncer de colo de útero globalmente até 20307. A estratégia está baseada nos pilares: prevenção, rastreamento e gerenciamento do câncer e das lesões precursoras. Nesse contexto, nenhuma intervenção isolada é suficiente para a busca pela eliminação e a vacinação assume importância fundamental.

Referências

  1. HPV Information Centre. Human Papillomavirus and Related Diseases Report. https://hpvcentre.net/statistics/reports/XWX.pdf (Accessed on April 25, 2022).
  2. de Sanjose, S., Quint, W. G., Alemany, L., Geraets, D. T., Klaustermeier, J. E., Lloveras, B., … & Bosch, F. X. (2010). Human papillomavirus genotype attribution in invasive cervical cancer: a retrospective cross-sectional worldwide study. The lancet oncology11(11), 1048-1056.
  3. Serrano, B., Alemany, L., Tous, S., Bruni, L., Clifford, G. M., Weiss, T., … & de Sanjosé, S. (2012). Potential impact of a nine-valent vaccine in human papillomavirus related cervical disease. Infectious agents and cancer7, 1-13.
  4. Palefsky, J. M. (2024). “Human papillomavirus infections: Epidemiology and disease associations”. Acesso em 26 de maio de 2024. Disponível em: https://www.uptodate.com/contents/human-papillomavirus-infections-epidemiology-and-disease-associations?search=hpv&source=search_result&selectedTitle=1%7E150&usage_type=default&display_rank=1#H2520186010
  1. Wendland, E. M., Kops, N. L., Bessel, M., Comerlato, J., Maranhão, A. G. K., Souza, F. M. A., … & Pereira, G. F. M. (2021). Effectiveness of a universal vaccination program with an HPV quadrivalent vaccine in young Brazilian women. Vaccine39(13), 1840-1845.
  2. Brasil, Ministério da Saúde. NOTA TÉCNICA No 41/2024-CGICI/DPNI/SVSA/MS- Atualização das recomendações da vacinação contra HPV no Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/notas-tecnicas/2024/nota-tecnica-no-41-2024-cgici-dpni-svsa-ms
  3. World Health Organization. (2020). Global strategy to accelerate the elimination of cervical cancer as a public health problem. World Health Organization. Disponível em: ttps://www.who.int/publications/i/item/9789240014107