Duas das cidades com os piores indicadores de mortalidade infantil em Minas Gerais foram as escolhidas para a capacitação: Governador Valadares e Teófilo Otoni
“Lá na aldeia de Água Boa, que eu comecei a pegar criança, até nós vem embora pro município (…) Até eu tá com trinta e pouco, eu tava como parteira, por causa de mãe me ensinando (…) Aprendi com mãe, já peguei 28 crianças, tá tudo casado, com neto”. A fala cantada, em um português peculiar e descansado atesta uma tradição dos povos originários brasileiros, passada de mãe para filha: a de receber crianças no mundo. E quem conta essa história é a anciã indígena Noemy, parteira mais antiga da aldeia Maxakali Água Boa, que fica no município de Santa Helena de Minas, nordeste do estado.
Noemy e mais 21 parteiras fizeram parte do Projeto de Capacitação em Reanimação Neonatal de Parteiras Tradicionais (indígenas e quilombolas), profissionais de saúde e médicos, que aconteceu entre os dias 2 e 7 de junho, em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, e Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. Cidades escolhidas por apresentarem taxas de mortalidade infantil maiores do que a média do estado, de acordo com o Relatório de 2024 do Comitê Estadual de Prevenção da Mortalidade Materna, Infantil e Fetal de Minas Gerais (CEPMMIF).
O grupo de 12 instrutoras mineiras e duas baianas do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria (PRN-SBP) treinou, além das parteiras, 147 profissionais de saúde e nove médicos. Os profissionais capacitados vieram de 21 municípios mineiros e as parteiras de dez aldeias (Maxakali, Krenak, Paraxó e Mokuriñ) das regiões do Vale do Mucuri, Vale de Rio Doce, Guanhães e Carmésia.
Objetivo
O Projeto, financiado pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e executado pela Sociedade Mineira de Pediatria (SMP), é uma ação objetiva de intervenção na mortalidade infantil, principalmente a neonatal, dessas regiões, que hoje apresentam uma taxa de aproximadamente 16 óbitos por mil nascidos vivos.
De acordo com a pediatra Marcela Damásio, instrutora do PRN e uma das coordenadoras do Projeto, a capacitação foi direcionada para a qualificação dos profissionais que prestam assistência ao bebê, com vistas à redução das mortes evitáveis e das sequelas da asfixia perinatal. “Esperamos que a ação produza melhoria da qualidade assistencial e que o nascimento seguro seja direito de todos os bebês mineiros, independentemente do seu local de nascimento”, comenta Marcela.
Parcerias
A coordenação do Projeto fez questão de deixar claro que sem as parcerias firmadas ao longo do processo, o treinamento não teria êxito. Desde o início, em dezembro de 2024, a Secretaria Estadual de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) se colocou à disposição. Depois, se juntaram à organização, o Distrito Sanitário Especial Indígena de Minas Gerais e Espírito Santo (DSEI MG-ES), o Conselho de Secretarias Municipais de Saúde de Minas Gerais (Cosems-MG), o Conselho Estadual de Saúde de Minas Gerais e a Secretaria de Desenvolvimento Social de Minas Gerais (Sedese-MG).
Dentro do espírito de conscientização sobre o acolhimento em saúde da população indígena, um alerta foi levantado por Myrtô Sucupira, apoiadora técnica em Atenção à Saúde no DSEI: “Não é o indígena que chega no hospital que tem que se adequar à forma que esse hospital está organizado. É o hospital que tem que se adequar a esse indígena”.
Saldo
Além do número de parteiras e profissionais de saúde treinados, 12 kits de treinamento em Reanimação Neonatal foram doados aos hospitais de Minas Gerais e oito à Sociedade Mineira de Pediatria, com o objetivo de ampliar a capacitação nas várias regiões do estado. Cada parteira recebeu um kit de Reanimação, com o objetivo de ajudar em seu ofício, e ao DSEI foram doados 24 kits de parteiras a serem utilizados na próxima capacitação, na região de Januária. Já a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) recebeu quatro kits a serem usados no transporte de gestantes.
“Foi muito trabalho, mas que nos trouxe muita alegria. As avaliações do curso pelos alunos mostraram com clareza como acertamos em escolher essas regiões”, finalizou com orgulho Marcela Damásio.

















