Setembro é um mês importante no que diz respeito à temática de saúde mental: além do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio ser comemorado no dia 10, desde 2014, ocorre no país a campanha “Setembro Amarelo”, ação que possui como objetivo conscientizar a população sobre um fenômeno que, infelizmente, ainda afeta a vida de milhares de pessoas.
Para reforçar a importância de discussões sobre o suicídio, principalmente em crianças e adolescentes, a Sociedade Mineira de Pediatria convidou Ana Maria Lopes para comentar algumas dimensões que podem perpassar uma decisão como essa na vida dos jovens. Professora do Departamento de Pediatra da Faculdade de Medicina da UFMG, a pediatra é Mestre em Psicologia e possui o Título de especialista em Psiquiatria com habilitação em infância e adolescência pela Associação Brasileira de Psiquiatria.
De acordo com o Ministério Público do Paraná, nos últimos 10 anos, as taxas de tentativa de suicídio em crianças em jovens apresentaram um aumento no Brasil. A que a Sra. atrela o comportamento suicida infantojuvenil, sobretudo nos tempos atuais?
O comportamento suicida em adolescentes é uma preocupação urgente de saúde pública. Há, mesmo internacionalmente, poucos estudos multicêntricos sobre incidência de tentativas de suicídio na infância e na adolescência, pois há uma tendência à subnotificação, já que o próprio paciente não deixa explicita a intenção de um ato suicida em várias situações. Estudos baseados na comunidade de adolescentes identificaram várias classes de fatores de risco: histórico de tentativas anteriores, ideação suicida atual e tentativa recente de um amigo ou membro da família, incidência de transtornos psiquiátricos diagnosticados ou não, especificamente depressão, transtornos de ansiedade, transtornos por uso de substâncias psicoativas, entre outros. Alguns estudos apontam que um ambiente familiar hostil também contribui para o risco maior de suicídio durante a adolescência. É importante destacar que os transtornos psíquicos, tanto em termos de causalidade como de consequências, não seguem um raciocínio linear, sendo multifatoriais.
É possível traçar relações entre o uso da tecnologia ou o excesso de informação e o autoextermínio nessa faixa etária?
Não há trabalhos que estabeleçam uma correlação direta entre autoextermínio e o uso da tecnologia, mas, evidentemente, o uso excessivo de horas nas redes sociais, o isolamento social promovido por essa situação, a influência na difusão de “metodologias suicidas”, comunidades virtuais do tipo: “Bad”, “perfil de pessoas que cometeram suicídio”, dentre inúmeras outras (como os jogos virtuais), incentivam o agrupamento virtual de crianças e adolescentes que estão vivenciando alguma situação de sofrimento psíquico e que podem encontrar reforço para uma decisão ou, em raras situações, encontrarem orientações para buscar ajuda. O mais habitual é que um jovem que está com um transtorno de saúde mental não diagnosticado e não tratado busque refúgio no uso excessivo das tecnologias virtuais.
É na adolescência que muitos jovens têm contato com experiências até então desconhecidas, como a ingestão de bebidas alcoólicas, o uso de drogas e a recorrência do bullying, que pode trazer consequências sérias para a vítima. Em um período de transição marcado por conflitos e instabilidades, quais são as causas mais comuns do suicídio?
A adolescência é uma das mais delicadas transições da vida, em que se opera a desconexão entre o ser de criança e a passagem para o ser de adulto, que está em construção. Ela é um tempo de experimentação, seja do álcool, seja das drogas, das parcerias sexuais e do que, aqui, se nomeia como bullying (nomeações violentas). Tal prática se inscreve de forma particular para cada adolescente e, por isso, é importante que o adolescente tenha espaços em que se sinta acolhido por um amigo, familiar, médico ou professor da escola.
Por outro lado, dizer as causas mais comuns de suicídio é uma tarefa impossível, pois temos que considerar tal questão na perspectiva multifatorial. Respondendo na perspectiva da psiquiatria, sabe-se que há um aumento da incidência dos Transtornos Mentais na adolescência, mesmo que ainda haja uma dificuldade em diferenciar situações do tipo Transtorno Bipolar, Depressão Maior, Transtornos Disruptivos de Desregulação do Humor e Transtornos Depressivos nessa faixa. Nos EUA, por exemplo, 10 a 15% de pacientes com diagnóstico de Transtorno Bipolar são vítimas de suicídio. Ao contrário do que se acredita, crianças e adolescentes com esse transtorno também apresentam risco elevado de ideação e tentativas de autoextermínio, sobretudo os não foram diagnosticados.
Como identificar o comportamento suicida na adolescência?
O comportamento suicida na adolescência pode ser correlacionado ao que é possível listar como fatores de risco: humor deprimido, depressão persistente, desesperança, pensamentos suicidas, disfunção familiar, distimia, baixo ajustamento social, transtornos de humor, transtorno depressivo maior, transtorno distímico e comorbidade com transtorno de conduta. Múltiplas tentativas de suicídio anteriores, ideação suicida mais grave, história e o número de tentativas anteriores, transtornos psiquiátricos, sobretudo afetivos (por exemplo, níveis de depressão, desesperança, ansiedade e raiva) estão associados ao risco futuro de tentativa de suicídio. E fatores anteriormente citados, como quedas não explicadas, atropelamentos repetidos, isolamento social associado ou não ao uso excessivo de mídias virtuais, abuso de álcool e drogas. Comportamentos de desesperança e bizarrices não compatíveis com o curso habitual da adolescência também são comuns.
Desde o ano passado, muitos veículos de comunicação têm dado destaque à questão da depressão e do suicídio entre estudantes universitários. Como a Sra. enxerga esse fenômeno?
A ocorrência de uma incidência maior de suicídio entre estudantes universitários exige melhor verificação dos dados e notícias sobre depressão e transtornos de humor, pois, atualmente, há uma divulgação por vezes inapropriada desses casos, sobretudo nas mídias sociais. Por exemplo, há aumento da incidência de atos suicidas em idosos que não têm tanto alcance nas mídias. Sendo assim, a forma inadequada como se divulga o suicídio entre jovens universitários pode causar a impressão de uma ocorrência maior de casos nesse grupo. Mas o que podemos afirmar até o momento é que os deprimidos jovens costumam cometer suicídio no início do curso da doença, cujo risco persiste ao longo da vida. Muitas vezes, os adolescentes e jovens não encontram apoio nem na família, nem nos colegas e faculdades para procurarem ajuda. De forma geral, um jovem que comete o suicídio não teve a oportunidade de se submeter a um tratamento adequado ou seu sofrimento psíquico foi subestimado por si mesmo e pelos familiares.
Acho inadequado afirmar que as universidades estejam adoecendo os jovens. É mais responsável afirmarmos que a sociedade contemporânea, aí inclusa a responsabilidade de cada um de nós, oferece poucos fatores de proteção para uma vida mental mais saudável. É evidente que, para um jovem com transtorno de humor ou qualquer “estado de desesperança”, as cobranças, avaliações, exigências de autoperformance, a padronização dos modelos de ensino e avaliação, seja na Universidade, seja na sociedade de forma geral, aumentam a angústia e o “estado de sofrimento”. Ressalta-se, também, que muitos jovens já ingressam nos cursos com “sofrimentos psíquicos” diagnosticados ou não, se angustiando gravemente a partir daí.
Nessa perspectiva, o papel da sociedade, aqui incluo o das Universidades, é de estar atenta aos fatores de risco: pensamentos, como: “eu prefiro estar morto” e “eu não aguento mais”. Nesse sentido, personalidades perfeccionistas tendem a um maior grau de angústia diante de situações que exigem alta performance acadêmica ou profissional. Infere-se que é necessário ofertar a esses estudantes fatores de proteção, tais como o lazer, esporte, espaço de escuta acadêmica e encaminhamentos para tratamentos especializados.
Qual é o desafio tanto para os profissionais de saúde quanto para a sociedade de uma forma geral?
Em suma, o grande desafio que se coloca é na detecção precoce de “estados de desesperança” ou transtornos de saúde mentais propriamente ditos, pois o diagnóstico precoce e tratamento adequado pode mudar o desfecho final de muitos casos. Certamente, a sociedade precisa possibilitar a construção de “fatores de proteção” no campo da atuação profissional, família e instituições de ensino.