Importante: As verdades sobre o Glúten, Lactose, Leite de Vaca, Ovo, Óleo de Côco, Margarina ou Manteiga.
Afinal! O que eu posso comer?
A mídia, os mitos e as polêmicas sobre a alimentação infantil.
Nos dias 17 e 18 de março de 2017, foi realizada a IV Jornada de Atualização em Pediatria do Hospital Infantil João Paulo II (Antigo CGP), com apoio da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais e da Sociedade Mineira de Pediatria. O maior hospital pediátrico do SUS de MG, berço formador dos pediatras que atuam em todo o Estado, reuniu quase 400 profissionais de saúde, para discutir o que há de mais atual no meio científico sobre a alimentação infantil. O evento também marcou as comemorações de 40 anos da Residência em Pediatria do Hospital. Na abertura, o Diretor do Hospital, Dr. Luís Fernando Andrade de Carvalho, falou sobre a crise enfrentada pelo hospital e reforçou a importância do trabalho multidisciplinar em equipe para superá-la e avançar, a ponto de conseguir fazer um evento que demonstre o papel formador do hospital. Também na abertura, a Dra. Maria do Carmo Barros de Melo, presidente da SMP, parabenizou o hospital pela sua contribuição no atendimento às crianças do nosso estado. A jornada foi idealizada e organizada pela equipe da Dra. Flávia Alves Campos, no Núcleo de Ensino e Pesquisa do hospital. Vamos ver então, um pequeno resumo sobre os principais pontos de cada uma das brilhantes palestras:
Obesidade, doença ou maldição?
Nessa aula, o professor de medicina e músico, Dr. João Gabriel Marques Fonseca, discorreu filosoficamente sobre as várias faces da epidemia de obesidade no mundo. Com humor, mas sem perder a profundidade e seriedade, o professor conclui que a sociedade consumista e materialista, perdeu referências e valores. Estas transformações fazem com que sempre estejamos cansados e correndo, sem tempo para dedicar às relações humanas. Desta forma, cria-se um grande vazio, que é preenchido por consumo e excesso de comida. Observou que a sociedade cria o obeso, ao estimular o hiperconsumo e o excesso de conforto, que levam ao sedentarismo. Mas, paradoxalmente, esta mesma sociedade rejeita o obeso, através do culto à imagem estética de homens e mulheres magros. Em conclusão, demonstra que a obesidade é uma doença do indivíduo, mas pode ser considerada uma maldição da sociedade atual.
O que eu posso comer? A mídia e os mitos.
O professor e nutrólogo, Dr. Ênnio Cardillo, demonstrou cientificamente que a mídia e as redes sociais, pela falta de crítica e facilidade de replicação de boatos, reforçam alguns mitos, condenando alguns bons alimentos, como, por exemplo, a carne de frango, que na verdade não contém hormônios e é uma das proteínas mais saudáveis. O óleo de côco e a banha de porco, que têm sido divulgados como saudáveis, na verdade são fontes de gordura saturada e não devem ser utilizados, principalmente para crianças. Reforçou que o azeite é saudável e só perderia propriedades se aquecido a mais de 200 graus, o que não ocorre em fogões domésticos, portanto é um bom óleo vegetal para uso culinário. Reforçou a importância de comer vegetais, frutas e verduras, mesmo que não sejam orgânicos, pois os alimentos bem lavados não permanecem com agrotóxicos. E lembrou que o açúcar e o excesso de produtos industrializados, como os refrigerantes, biscoitos recheados, pipoca de micro-ondas, sucos de caixinha, aliados ao sedentarismo, são os principais causadores da obesidade, acima de problemas metabólicos ou genéticos.
O que a criança deve comer nos primeiros mil dias de vida?
O endocrinologista pediátrico, Dr. Rafael Mantovani, apresentou como as condições pré-natais, da gestação, podem influenciar a genética e determinar características do metabolismo. É o fenômeno da epigenética. Crianças que apresentaram dificuldades de ganhar peso na gestação e nascem pequenas despertam muita preocupação das famílias, por serem magras. Mas não devem receber excesso de alimentos, pois tem mais risco de obesidade no futuro. Reforçou a importância do leite materno, alimento que deve ser exclusivo nos 6 primeiros meses e continua importante nos 2 primeiros anos de vida. Ressaltou a importância de evitar a exposição precoce ao açúcar e ao sal nestes três primeiros anos.
Vitamina D: Epidemia de deficiência?
A endocrinologista pediátrica, Dra. Juliana Rajão, demonstrou que há um excesso nas solicitações de exame de vitamina D, não sendo indicado rotineiramente para todas as pessoas, gerando um exagero no diagnóstico das deficiências. A maior fonte de vitamina D é a luz solar. Reforçou a necessidade do banho de sol nos bebês. Para crianças maiores e adolescentes, além do sol e atividade física regular, uma adequada ingestão de leite, peixes, frutas e verduras será suficiente para manter bons níveis de vitamina D na maioria absoluta da população.
O que é fome oculta?
O professor de medicina, pediatra e nutrólogo, Dr. Flávio Capanema, demonstrou que, hoje, no Brasil e países desenvolvidos, é raro ocorrer desnutrição grave por falta de quantidade de alimentos, mas, no entanto, podem ocorrer quadros de falta de micronutrientes, principalmente por erros da qualidade da alimentação, com excesso de ingestão de alimentos calóricos, excessivamente salgados e pobres em nutrientes. Dentre os nutrientes importantes está o ferro, cuja falta causa anemia. Atenção também deve ser dada ao cálcio e zinco. Mas o professor reforçou que não é necessário comprar vitaminas comerciais, exceto em grupos específicos, como os menores de 2 anos, que devem repor ferro. Uma alimentação balanceada, com feijão, carnes, vegetais, frutas, verduras, leite e ovos, poderá suprir todas as necessidades e evitar a fome oculta.
Como fazer uma papinha?
A pediatra, Dra Denise Brasileiro, ensinou com muita propriedade, a técnica para fazer uma papinha saudável. A papinha deve ser introduzida aos 6 meses de vida e deve ter uma base de cereal ou tubérculo, proteína animal, leguminosas, legumes, óleo e folhas verdes. A papinha não deve mais ser batida no liquidificador ou peneirada, pois mesmo sem dentição, os bebês devem aprender a mastigar. O adequado é cozinhar e amassar. Os temperos não devem conter sal ou industrializados e devem ser à base de folhas verdes como cebolinha, salsinha, alho, dentre outros temperos naturais.
O que é o método BLW?
A pediatra, Dra Camila Romano Berindoague, falou sobre o novo método de introdução de alimentação em bebês, após os 6 meses. Neste método, a comida é oferecida aos bebês em pedaços sólidos e ele pode comer com as mãos, se lambuzar e brincar com os alimentos. O método requer orientação pelo pediatra e pode conter várias vantagens.
Meu filho não come. Posso dar estimulantes de apetite e suplementos?
O professor de pediatria, Dr. Marcos Carvalho de Vasconcelos, falou sobre a preocupação gerada pelas crianças que comem pouco. Na maioria dos casos, isso reflete um problema psicológico, falta de tempo ou maturidade dos pais, refletindo na criança. O professor explicou também que muitas crianças não comem as refeições principais, porque os pais, até mesmo sem perceber, acabam liberando excesso de lanches, como biscoitos, refrigerantes e sucos, bolos industrializados e doces. Reforçou que é importante ter paciência, restringir as guloseimas e modificar os hábitos da família, como por exemplo, retirar a televisão da hora de alimentar. Por fim, concluiu que uso de polivitamínicos e suplementos calóricos, como a sustagem, mucilon e achocolatados, não são adequados, podendo gerar obesidade no futuro.
Desafios na alergia alimentar.
A gastroenterologista pediátrica, Dra. Suzana Fonseca Melo, fez uma atualização sobre o complexo tema das alergias alimentares. Demonstrou que há um excesso de diagnósticos errados de alergia. Muitos alimentos são excluídos da alimentação de forma desnecessária. O leite de vaca deve ser evitado antes dos dois ou até três anos de idade, mas após esta idade, é um ótimo alimento. É errado dizer alergia a lactose. O que causa alergia, em alguns casos, é a proteína do leite. A intolerância (e não, alergia) a lactose, não é causa para suspender o leite e derivados. Reforçou que o diagnóstico de alergia é clínico e deve ser realizado pela observação dos pais, orientados pelo pediatra ou especialista, ao invés da coleta generalizada de exames de sangue.
Meu filho está com colesterol alto! E agora?
Nesta aula, eu, Cristiano Maciel, endocrinologista pediátrico, pude falar sobre os cuidados com o colesterol alto nas crianças. Alertei que não deve ser solicitado exame de colesterol em menores de 2 anos. Crianças com mais de 2 anos com colesterol alto podem usar leite desnatado desde já. As crianças podem comer ovo, desde que não seja frito. Está na moda dizer que manteigas animais, óleo de côco e gordura de porco, são alimentos saudáveis, mas isso é errado, pois todos são ricos em gordura saturada e não devem ser usados em crianças. As margarinas e óleos vegetais (soja, milho, girassol) são mais adequadas, mas mesmo eles devem ser evitados em excesso. Retirar a gordurinha visível nas carnes, evitar fritutas, embutidos como salame, presunto, nuggets, hambúrguer, lanches fora de casa, chips, evitar doces, glacês, cremes e biscoitos recheados, continuam sendo medidas importantes.
Mitos do glúten e da lactose.
Reforçando a importância da equipe multidisciplinar, o nutricionista Marcelo Nogueira, alertou que as notícias condenando o glúten, na maioria são falsas. O trigo continua sendo uma fibra importante. Somente os pacientes com doença celíaca devem retirar o glúten da dieta. A falta de fibras está relacionada até mesmo ao surgimento de diabetes. Apesar do modismo das redes sociais de retirar o leite de vaca, por supostos sintomas causados atribuídos à lactose, o produto é rico em proteínas, cálcio e outros nutrientes. Tanto o leite, quanto o trigo, têm seu papel importante em uma dieta saudável.
Nutrição dos adolescentes.
A hebiatra, Dra Tatiane Miranda, demonstrou que a adolescência é um período de muitas mudanças no corpo, psicológicas e sociais. Portanto, a conduta correta para uma alimentação saudável é o diálogo, e não a imposição dos pais, pois isso pode reforçar a rebeldia. Os pais e os profissionais de saúde devem ficar atentos a comportamentos que podem ocorrer nesta faixa etária, como a anorexia e a bulimia. Por ser uma fase de crescimento acelerado, alguns nutrientes não podem faltar, como o ferro e o cálcio.
Atividade física na infância e adolescência.
O pediatra, especialista em medicina do esporte, Dr. Carlos Eduardo Reis da Silva, demonstrou a importância da atividade física desde cedo, como uma cultura familiar, com caminhadas, pedaladas e passeios que estimulem comportamentos ativos, evitando excesso de televisão, computador, celular e tablets, que levam ao sedentarismo. Essas últimas atividades não devem ultrapassar 2 horas diárias. Até 5 anos, as brincadeiras são indicadas. Após 5 anos, atividades lúdicas, coletivas ou natação, devem ser diárias. Os adolescentes em fase de crescimento, já podem fazer musculação, desde que tenham orientação e aparelhos adequados. Reforçou que não devem ser utilizados suplementos como Whey Protein, nestas faixas etárias.
Espero ter ajudado os profissionais de saúde e os pais, a ficarem mais alertas contra a obesidade infantil e a ter uma visão mais crítica em relação aos mitos e modismos das mídias e redes sociais.
Cristiano Túlio Maciel Albuquerque.
CRMMG: 38.231.
Endocrinologista Pediátrico.
Coordenador da Endocrinologia do Hospital Infantil João Paulo II e do Hospital Infantil São Camilo.
Email: cristianoendocrino@gmail.com